The Punishment ▲ por Filipe Vilas-Boas

press-release

Curadoria Jorge Reis

O reflexo neurótico representativo do humano. É assim que considero que, desde 1920, a humanidade tem visto o advento tecnológico da robótica. Reflexo neurótico, porque persiste a ideia de querer fazer os robôs “pensar” como nós pensamos e executar tarefas, tal e qual, como nós executamos. Representativo do humano, porque são criados à nossa imagem e forma, apoiados numa lógica centralizada bioinspirada no humano: o cérebro comanda órgãos e membros em paralelismo com o processador, que envia mensagens a componentes do hardware, para executar ações.

Regressando ao ano 1920, seria então neste ano que ficaria registada a primeira aparição de humanoides associada à palavra robô, quando o escritor checo Karel Čapek mostra publicamente a peça teatral de ficção científica R.U.R. — Rossum’s Universal Robots (ver peça integral no youtube). Porém, e embora poucas vezes referido, a palavra fora realmente inventada pelo seu irmão Josef Čapek, artista mais conhecido por fazer pintura, mas também reconhecido como notável poeta, que a usou primeiramente num conto. Não obstante, nesta obra dramática, era possível ver humanoides orgânicos que tinham como objetivo facilitar a vida dos humanos, mas que eram meramente escravos que executavam ordens.

A origem da palavra robô é, como foi possível constatar, checa, tendo surgido da palavra robotnik, que significa “trabalhador forçado”, e provavelmente também de robota “trabalho forçado, serviço compulsivo, trabalho penoso”, de robotiti “trabalhar no duro”, e de uma antiga palavra checa parecida com robota: rabota, que significa “servidão”. É evidente que os robôs são vistos por nós como nossos escravos e a eles destinamos tarefas, para as quais não temos habilidade ou não gostamos de fazer, ou que por limitação física ou biologicamente nos seja humanamente impossível realizar. Talvez a necessidade de criar robôs esteja diretamente relacionada com o abolicionismo, movimento político que promoveu abolição da escravatura no século XIX.
Todavia, fora aproximadamente em 1495 que terá surgido o primeiro projeto documentado de um robô humanoide supostamente capaz. Os registos do “Cavaleiro Mecânico”, foram encontrados no “Codex Atlanticus” e noutros cadernos do artista toscano Leonardo da Vinci (1452 — 1519). Segundo apontamentos, este humanoide era capaz de se pôr de pé, mover os braços e a cabeça, abrir a boca e emitir sons.

No entanto, fora em 1927, com a obra cinematográfica Metropolis (ver no youtube), obra-prima de Fritz Lang, que a imagem do robô ficaria para sempre associada à forma humana. Quando pensamos num robô, é impossível dissociar de algo que é composto por uma cabeça duas pernas e dois braços. A imagem do androide é algo que hoje, ao ser largamente difundida através dos meios de comunicação e, refira-se, mais popular, muito contribuiu para a afirmação da semelhança da forma de um autómato com o humano. Porém, vários cientistas, biólogos e engenheiros têm-se debruçado na criação de animaloides (Brooks, 1986), robôs que partem da forma animal e, o mais recente e ainda pouco difundido, “plantoide” (Mancuso, 2016), robôs que partem da forma das plantas e vegetais. Todos eles são criados com o objetivo de nos servir, ajudar e solucionar problemas.

É a partir da utilização de um braço robótico que o artista franco-português Filipe Vilas-Boas parte para acentuar uma discussão em torno da relação entre humanos e robôs. “The Punishment” (o castigo) é o nome da obra que dá título à exposição individual deste artista de novos media. O braço robótico é programado para cumprir um castigo. O castigo é o símbolo de controlo e delimitação da ação do outro. Confere ao castigado um momento de reflexão ao mesmo tempo que promove a inacessibilidade a algo e a privação do acesso a alguma coisa que não é seu por direito. Também é frequentemente usado como ferramenta para a educação e formulação do comportamento social. Portanto, o artista com esta obra de relação da robótica com a arte, toca num ponto central que é pertinente referir. É certo que os robôs são programados por nós, recebendo instruções concretas de como se mover e realizar determinadas ações. Logo, a ironia de um autómato sem autonomia. Todavia, se nos referirmos a robôs com inteligência artificial, já é possível aludir a um autómato que consegue “pensar” por si, por isso, na teoria, interpreta códigos visuais e sonoros obtidos através da realidade transpondo-os para código de reação que é apoiado por uma biblioteca eletrónica vasta: a Internet, porém, não são agraciados pela inteligência emocional. Este facto promove, a meu ver, uma problemática.

Enquanto um robô não aprender a ter emoções, dificilmente poderá ser programado para ser ensinado a ter novas ações e novos conhecimentos, ou até mesmo a produzir conhecimento, e aumentar a sua capacidade intelectual artificial, porque não consegue selecionar o que deve, ou não, reter de forma completamente autónoma. Isto porque a emoção está intrinsecamente ligada à aprendizagem. Veja-se, por exemplo, se não entendermos um castigo por mau comportamento como algo que é extremamente indesejável, que nos afete emocionalmente, não seremos capazes de perceber, do ponto de vista individual, qual a distinção de um bom ou mau comportamento, nem se aquele castigo é bom ou não. Estaríamos apenas a cumprir ordens, que é aliás, o que o braço robótico do Filipe faz. Logo, é possível concluir-se que isto é algo que ainda não é possível de programar, isto é, a emoção. Por isso, quando um robô vir a ser uma persona ele poderá eventualmente surgir como entidade individual dotado de emoção que é capaz de moldar os seus interesses através das experiências que obtiver. Quando isto acontecer poderemos estar perante um “robolicionismo”, a abolição da escravatura robótica, e a depararmo-nos com uma realidade em que humanos e robôs vivem em comum em prol de uma sociedade potenciada aos seus limites.

Para acentuar este lado educacional, foi pensada uma cenografia que aproximasse esta exposição ao universo escolar. Para isto a sala de exposições foi adaptada a uma sala de aula onde é possível ver um robô que cumpre um castigo onde se encontra a escrever “não farei mal a humanos” repetidamente, “sentado” numa secretária de escola, ao mesmo tempo que outros robôs malcomportados estão livremente a infringir todas as regras possíveis, que caibam no conceito de uma sala de aula. Robôs que não seguem linhas, aos que riscam o chão e fazem barulho, aos que vão contra os outros, entre outros comportamentos programados.

Um projeto expositivo que não teria sido possível de realizar sem os parceiros KUKA robotics, Clube de Robótica do Instituto Politécnico de Leiria, Clube de Robótica da Escola São Gonçalo e a Câmara Municipal de Torres Vedras.

Texto Jorge Reis

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